Nos dias atuais, diferentes culturas se mesclam e se tornam conhecidas umas das outras em um piscar de olhos. Não apenas a internet possibilita esse conhecimento de outros povos e costumes, mas também a própria facilidade de deslocamento, proporcionada pelos meios de transportes rápidos, pelo avião, e pelo fato das tarifas estarem cada vez mais acessíveis a um número maior de pessoas.
Se por um lado as pessoas têm mais possibilidade de deparar-se com outras, de diferentes idéias, origens, tradições e religiões, por outro, ainda é forte o preconceito com relação ao diferente, principalmente no que diz respeito à religião.
Assistimos todos os dias a cenas de conflitos religiosos no Oriente Médio, e percebemos que ainda hoje, o ser humano não é capaz de aceitar o diferente. Hoje em dia, uma época em que há pessoas de todas as origens em todos os locais do globo. Hoje em dia, uma época em que recebemos tantas informações sobre povos variados e distintos, através da mídia, das artes – principalmente o cinema, e da internet.
O mundo realmente virou uma aldeia, mas ainda está longe de se tornar uma aldeia pacífica, onde as pessoas convivem respeitando o espaço e os interesses do outro. Entretanto, a natureza global do mundo contemporâneo faz com que seja inconcebível ignorar as diferentes questões que suscitam do multiculturalismo.
Recentemente, soubemos que a Espanha rechaçou a entrada de brasileiros no país, brasileiros esses que eram estudantes, e iriam participar de um evento pontual, um congresso de estudos. Além de rechaçar, os responsáveis pela imigração foram acusados de maus-tratos a esses brasileiros, já que não lhes deram de comer nem de beber, fazendo-nos esperar durante horas para que fosse decidida a sua situação. Esse é um exemplo muito claro de preconceito contra latino-americanos na Espanha, seja lá quais forem as razões para esse preconceito, e da inexistência ou ineficácia de políticas que atendam à demanda multicultural existente na atualidade.
A Grã-Bretanha, por outro lado, é um exemplo de relativo sucesso com respeito a essa questão de dar espaço às diferenças e fomentar o desenvolvimento de um multiculturalismo integrador, e por essa razão, em meio século, a diversidade cultural na Grã Bretanha aumentou e evoluiu espetacularmente. A aceitação da diversidade cultural contribuiu positivamente para melhorar a vida de muitas pessoas e ajudou a Grã-Bretanha a se converter em um lugar excepcionalmente interessante em muitos e diferentes aspectos.
O fato, por exemplo, de que todos os residentes britânicos dos países da Commonwealth (onde convivem muitos imigrantes não brancos, como indianos, paquistaneses e iranianos) tenham direito de votar na Grã-Bretanha, mesmo quando não têm nacionalidade britânica, foi fundamental no momento de apoiar o processo de integração. Também foi importante a não discriminação aos imigrantes na saúde, escolarização e segurança social, como aponta Amartya Sen[i] no texto “Libertad y Ají”[ii], publicado na revista Letra Internacional.
Apesar de tudo isso, ainda assim Londres sofreu recentemente com a alienação de um grupo de imigrantes, e também experiência de um terrorismo de origem doméstica, quando alguns jovens muçulmanos filhos de famílias de imigrantes, mas nascidos, educados e criados na Grã-Bretanha perpetraram massacre no metrô de Londres, em julho de 2005.
No Brasil, a tolerância para com a diversidade cultural parece inata. Trata-se de um país que nasceu miscigenado. O seu desenvolvimento traz em si uma história de mestiçagem e pluralidade de culturas. E hoje, mais de 500 anos depois do início do seu povoamento e ocupação, verifica-se que os negros, por exemplo, ainda sofrem por não conseguir seu espaço na sociedade, no mercado de trabalho, na mesma proporção que os brancos.
Se por um lado, a questão especifica do Brasil parece ser muito mais um fator econômico do que propriamente cultural, por outro lado, as origens da discrepância econômica são também culturais, étnicas e religiosas. Tanto que, até o final do século passado, as manifestações artísticas dessas minorias étnicas, como as tribos indígenas, os quilombolas, os caiçaras e as populações ribeirinhas, ainda nos pareciam ter menor valor do que a arte produzida nas grandes cidades, com inspiração direta nas produções européias. E isso muitos anos depois do movimento Modernista, na primeira metade do século passado, e sua busca por valorizar os saberes e fazeres nacionais.
Como se pode verificar, são ainda muito recentes as tentativas de valorização da diversidade cultural no Brasil.
No início dessa reflexão, eu citei a facilidade dos deslocamentos como um importante fator no aprendizado da convivência com outros povos, outras origens, outras etnias, e no desenvolvimento do multiculturalismo. De fato, essa facilidade existe, e é facilmente comprovada pela grande movimentação dos aeroportos internacionais. No entanto, para a maioria da população brasileira ainda é difícil conseguir viajar para fora do país, e o que é mais triste, dentro dele. Há passagens para a Argentina e Chile que são mais baratas do que para o Sul ou Nordeste do país! Percebe-se que não existe, portanto, uma política real e integrada no sentido de fomentar a troca entre as culturas dentro do Brasil.
A convivência com pessoas de culturas distintas facilita muito a compreensão do ponto de vista do outro, e deve ser estimulada. Nesse ponto, a arte tem muito a acrescentar, pois através dela se descobre uma vastidão de características de um povo. E por isso, é extremamente importante que ela se movimente, se desloque, que seja itinerante.
Tentativas no Brasil, como a do Programa Cultura Viva, nacionalmente, e a do Ano do Brasil na França, e a Celebração do Centenário da Imigração Japonesa, internacionalmente, são assaz importantes, mesmo apesar de ainda estarem fundadas em preceitos econômicos ou políticos.
No entanto, a cautela deve se direcionar para que os esforços no sentido do multiculturalismo não levem apenas ao monoculturalismo plural, ou seja, várias culturas existindo paralelamente em um mesmo espaço, mas de maneira isolada umas das outras, sem a convivência e a troca. Isso não é diversidade cultural.
Segundo Amartya Sem, o fato de que existam dois estilos ou tradições, uma junto à outra, sem que realmente cheguem a se encontrar, deve ser considerado como monoculturalismo plural. Muitos defendem a bandeira do multiculturalismo, pensando na verdade no monoculturalismo plural, o que é um grande engano. Esse seria, talvez, o maior vácuo no programa dos Pontos de Cultura[iii], a política mais importante da atual gestão do Ministério da Cultura, já que enquanto tentativa de preservar uma cultural tradicional herdada, a liberdade cultural acaba se chocando com o conservadorismo. Isso acontece com muita freqüência, e faz distanciar do multiculturalismo.
Em suma, políticas de integração e miscigenação são extremamente importantes para esse nosso mundo globalizado, que se caracteriza pelo ir e vir de pessoas de diversas regiões e com diversas histórias. E integrar não significa apenas permitir que se cruzem, mas criar um espaço para que se comuniquem, para que troquem conhecimentos, para que se reconheçam nas semelhanças e diferenças. Esse era o desejo de Gandhi com relação à Índia. Esse é o desejo dos que estão trabalhando no desenvolvimento do Caminho de Abraão[iv], no Oriente Médio. Esse é o desejo de todos que lutam por e são a favor da PAZ.
[i] Economista indiano, é reitor da Universidade de Cambridge e um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU).
[ii] Sen, Amartya. “Libertar y Ají” in: Letra Internacional (91). Madrid: verão de 2006.
[iii] Para maiores informações, acessar: www.cultura.gov.br.
[iv] O Caminho de Abraão é um projeto que apóia a abertura de uma extensa rota de turismo cultural e histórico para refazer a jornada de Abraão (Ibrahim) pelo Oriente Médio há cerca de 4.000 anos. Trata-se de uma homenagem às culturas judaica, cristã e muçulmana que têm Abraão como seu patriarca comum, e de uma maneira de resgatar essa origem comum das três culturas, de modo a fomentar a paz entre elas. Para maiores informações, acesse: www.abrahampath.org.
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