domingo, 31 de agosto de 2008

“Vai com Deus” – primeiras reflexões

“Vai com Deus”: expressão popular do português brasileiro.
Pode significar: fique bem; vá em paz; tenha boa saúde; tenha um dia tranqüilo; tenha uma boa trajetória, por onde quer que você passe; que você esteja protegido, e nenhum mal lhe aconteça; que nada lhe atormente; que você esteja conectado com o movimento universal do universo; que você se sinta sempre acompanhado, e nunca solitário; que você saiba decidir; que suas decisões sejam corretas; que você se sinta forte e capaz.

“Vai com Deus” é um exemplo bem prático de como a religião está intrínseca à nossa cultura – digo, à cultura brasileira –, e de várias outras formas, à cultura mundial, universal. Através dela (a religião), o homem começou a se manifestar artisticamente, criando formas de deuses misteriosos e tentando explicar os mistérios do céu e da terra: imaginando seres superiores, perfeitos, poderosos; suas relações, seus comportamentos, seus habitats; humanizando forças da natureza; criando formas, cores, figuras, imagens, vozes, histórias, danças, rituais, músicas, comidas, bebidas, tudo como forma de cultos e manifestações religiosas.

A religião há muito já não tem a força cultural de outrora. Separou-se completamente das artes, transformando-se em procedimento técnico e anti-emocional, embora também não funcione como fim em si mesma. O Deus foi, então, sublimado das artes, cedendo espaço a um tipo de produção extremamente lógica e racional, principalmente a partir dos tempos modernos. Tudo precisava / precisa estar muito bem explicado e realizado: som e luz, luz e sombra, sombra e técnica, e cor, e voz, e postura, e palavras. Tudo precisava / precisa estar muito bem ensaiado: nada fora do lugar.

Tudo isso pode ter suas vantagens, pois a arte impecavelmente realizada leva a um extremo de sensação de perfeição que até faz lembrar esse divino que habita o nosso imaginário, cujo poder e abrangência são incontestáveis.

Entretanto, parece-me um tanto quanto fria essa perfeição técnica trazida pelas grandes escolas urbanizadas de arte. Seria um reflexo do nosso próprio tempo e das nossas relações? Com certeza, sim e são. Mas, muitas vezes, não é suficiente. Faz falta um “Vai com Deus” cheio de emoção, bem pronunciado, desses que costumavam sair das bocas das avós.

Então, quando elas todas forem embora, para onde irá Deus? Não estando mais nas artes, e nem na religião, será que a ciência o abrigará?

Espero que a Arte volte a buscar a esse Deus perdido, quase sem espaço, de modo a transmitir inspiração, mexer com a emoção, possibilitar a descoberta de novos caminhos, tirando o véu que cobre os nossos olhos. Ou então, teremos imediatamente que voltar aos cultos e religiões, que não poderão ser o que eram, simplesmente porque já não somos o que fomos.
Crédito da imagem: Philippe Bertrand.