domingo, 7 de dezembro de 2008

Os Ensaios sobre a Cegueira

Um dos maiores méritos do filme “Ensaio sobre a Cegueira”, de Fernando Meirelles, foi, na minha opinião, o fato dele ter me levado a uma compreensão sobre o final do livro de Saramago.

Sim, pois após ter passado momentos de extrema aflição e angústia, de medo, nojo, reflexão, de revolta e descrédito contra a Raça Humana; após ter sido levada para uma viagem longa de encontro com o caos, na qual todas as possíveis fugas humanas foram desalojadas, sobrando apenas uma verdade nua e crua; após ter sentido profundamente em meu peito o quanto estamos equivocados com as nossas verdades inventadas, com as nossas normas e nossa pseudo-civilização; após essa quantidade extrema de emoções contraditórias e desconfortantes, quando, finalmente, chego ao final do livro, de repente tudo aquilo... acaba. De uma hora para outra, tudo aquilo SIMPLESMENTE acaba, tudo volta ao normal e todos voltam a ser felizes, como nos contos de fadas. Como se toda aquela enxurrada de emoção sentida não tivesse significado nada. Como se alguém chegasse ao final e dissesse: “Brincadeirinha, hehehe!!”.

De verdade, fiquei um pouco decepcionada com a redenção do desfecho. Claro que isso não tirava, não tira, de forma alguma, o mérito do livro, que é de uma densidade e de uma lucidez incrível, apesar de toda a cegueira em que viviam seus personagens. O livro é um retrato de como deixamos de enxergar coisas básicas na nossa sociedade, nas nossas relações; de como deixamos de perceber o que realmente importa para vivermos em função de objetos e materiais que criamos e que nos tornam deles escravos; de como o ser humano pode ser mau e de como somos, sobretudo, mais uma espécie, lutando pela sobrevivência.

Porém, o fato de que, de repente, tudo acaba bem no final me pareceu uma brincadeira de mau gosto, tudo resolvido muito facilmente, e um happy end a la Hollywood que não fazia muito sentido. No mínimo, pensei, ele se encheu de escrever e quis resolver logo a estória.

Voltando ao filme, preparei-me durante um tempo para passar por aquela experiência narrativa novamente, dessa vez, através do meio audiovisual. As imagens me pareceram tão chocantes quanto eram em minha imaginação durante as leituras, embora algumas cenas merecessem definitivamente mais tempo e maior destaque do que como foram apresentadas. Mas isso não vem ao caso no momento.

E, de repente, quando a narrativa dá aquela virada e se prepara para o Final Feliz, com as pessoas voltando a viver em uma casa, retomados, na medida do possível, os hábitos de higiene e bons costumes, eu já estava quase me distanciando do filme com aquela perigosa pré-disposição a não gostar do desfecho por já tê-lo previamente imaginado.

Foi quando, então, os gritos de EU VEJO do personagem japonês, unidos à emoção dos outros personagens e à perspectiva de que uma outra realidade é possível, encheram-me de uma sensação esperança e chamaram-me novamente a atenção. Naquele momento exato, e nos que o sucederam, eu percebi que linda mensagem Saramago nos deixou no final do seu livro: apesar de toda a falta de compreensão, de todos os desentendimentos, de todo o sofrimento, de todo o caos vivido, ainda havia uma saída! O caos nos faz arrumar forças de onde não temos. Os problemas, depois de solucionados, nos fortalecem e tornam-se lições aprendidas. E a ESPERANÇA sempre nos dará a certeza de que uma outra realidade é possível.

Que as mensagens de esperança e união, que fazem superar as situações mais desastrosas, guiem a todos os que tiveram / tiverem o prazer de ler o livro ou assistir ao filme em busca de um Futuro menos consumista e mais altruísta.

Bravo Saramago! Bravo Meirelles!

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